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A importância do papel da instituição de acolhimento na vida das crianças Acolhidas

 

O acolhimento institucional é uma das medidas de proteção prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), aplicada a crianças e adolescentes que foram retiradas de seu convívio familiar, uma vez que tiveram seus direitos ameaçados e/ou violados, seja por ação ou omissão da sociedade ou do Estado, seja por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis, e em razão de suas condutas. Configura-se como uma medida excepcional e provisória de proteção aos direitos da criança e do adolescente. Os que hoje vivem a realidade de estarem em uma instituição de acolhimento são aqueles que sofreram graves e/ou reiteradas situações de negligência, maus tratos, abandono, violências, abusos por seus familiares ou responsáveis.

Nesses casos as crianças são encaminhadas para as entidades de Acolhimento Institucional, onde há uma equipe capacitada que passa a ser responsável pela integridade física, psíquica e social das mesmas.

Com a lei nº 8069/90 que dispõe sobre o ECA, a criança passou a ser reconhecida como prioridade absoluta, uma vez que está em peculiar condição de ser humano em desenvolvimento e com direitos juridicamente protegidos.

Desta forma, a aplicação da medida de acolhimento institucional é vista como uma intervenção protetora dos direitos da criança e do adolescente, em situação de vulnerabilidade, justamente por visar garantir esses direitos, principalmente os de proteção e cuidado, considerando sempre em primazia o princípio do melhor interesse da criança.

Como dito anteriormente, essa medida de proteção consiste em um procedimento temporário e inabitual, utilizado como forma de transição para uma possível reintegração familiar ou, então, para a colocação de crianças e adolescentes em família substituta, onde possa viver em um ambiente que proporcione um desenvolvimento seguro e saudável. Importante salientar que o acolhimento institucional não implica em privação de liberdade e oferece na medida do possível um atendimento particularizado, em pequenas unidades e grupos, levando em consideração a individualidade de cada criança (OLIVEIRA; RESENDE, 2016).

Entretanto, ainda que a institucionalização tenha como objetivo fundamental a garantia dos direitos da criança e do adolescente, essa experiência deixa marcas importantes no desenvolvimento desses indivíduos. A retirada da criança do convívio familiar para uma instituição de acolhimento é bastante dolorosa, pois não é esperado psicológica e socialmente que deixem de conviver prematuramente com seus familiares mais próximos, ainda que estes tenham lhe causado mal (CALCING; BENETTI, 2014; OLIVEIRA; RESENDE, 2016).

Na maioria dos casos, quando encaminhados a instituições de acolhimentos, crianças e adolescentes trazem consigo uma bagagem de negligência, maus-tratos, e vivências anteriores potencialmente traumáticas. O impacto dessas violências sofridas constitui graves riscos para o desenvolvimento, tanto intelectual como emocional, com repercussão nas fases posteriores da vida.  Assim, estudos apontam que crianças que vivem, ainda que temporariamente em acolhimento, apresentam maiores índices de depressão, dificuldades escolares, sentimento de culpa e desamparo (CALCING; BENETTI, 2014).

Ao chegar ao acolhimento institucional, é possível observar da maioria das crianças, um olhar assustado e comportamento retraído que denotam medo e insegurança frente ao novo que estão prestes a vivenciar. Algumas delas apresentam choro e resistência, uma vez que não possuem maturidade emocional suficiente para reconhecer que essa medida que lhe foi aplicada no momento e de forma temporária, é para proteção de sua integridade física, psíquica e moral.

 Assim, pode-se afirmar que as crianças chegam à entidade com sua saúde emocional bem fragilizada e a instituição de acolhimento pode tanto ser considerada um agente facilitador, quanto um agravante para o desenvolvimento das mesmas, tudo vai depender da presença ou ausência de fatores de proteção na instituição. As casas de acolhimento juntamente com todas as pessoas que atuam ali diariamente, se empenham para tornar possível a modificação das experiências dolorosas implícitas nas trajetórias dos infantes, mediante o estabelecimento de novos vínculos, com os cuidadores sociais e com as demais crianças acolhidas. Desta forma, o acolhimento possui a capacidade de tornar o espaço da instituição, um espaço facilitador capaz de promover a ressignificação das relações primordiais, bem como proporcionar a construção de novos relacionamentos afetivos significativos com dimensões distintas daqueles experimentados fora dela (CALCING; BENETTI, 2014).

Entretanto, Guirado (2004) enfatiza que mesmo que as instituições de acolhimento apresentem ótimas condições estruturais e forneçam estímulos para o desenvolvimento saudável da criança que temporariamente está sob sua tutela, ainda assim ela poderá ter uma “afetividade atípica”. Ou seja, a maneira como as crianças vão se relacionar com essas pessoas tidas como desconhecidas será distinto do relacionamento de uma criança ou adolescente que reside com seus genitores.   Essa ruptura de vínculo, da criança com seus pares, poderá trazer prejuízos emocionais às mesmas.

Bowlby (1997), ao estudar crianças entre dois e quatro anos separadas de suas mães, observou uma relação entre a perda dos cuidados maternos nos primeiros anos de vida na e a etiologia de distúrbios de personalidade, a formação do caráter delinquente, e o desenvolvimento de transtornos de ansiedade e depressivos (OLIVEIRA; RESENDE, 2016, p.56).

 

Verifica-se que as crianças que passaram por graves violações de direitos já apresentam dificuldades em ter uma boa imagem de si e quando a institucionalização ocorre, há um aumento na sua carência afetiva, o que resulta também em uma baixa autoestima. É bastante comum encontrar nas crianças acolhidas esse sentimento de carência, aliado a necessidade de pertencimento familiar, onde buscam se refugiar nas pessoas que lhe oferecem atenção e cuidado.

Conforme Rayane e Sousa (2018) há um estudo com crianças acolhidas institucionalmente afastadas do convívio familiar, entre cinco e dez anos de idade, onde foi destacado que os infantes tendem a apresentarem elevada instabilidade emocional, agressividade, ansiedade, timidez, entre outros. É possível observar também que para a grande parte dessas crianças, a privação emocional teve como consequência a agressividade expressa em seus relacionamentos interpessoais. Comumente percebem-se crianças agindo com hostilidade com as pessoas com as quais convive no acolhimento, seja crianças ou adultos, onde muitas vezes não conseguem dar destino a esse sentimento. Acredita-se que esse aspecto pode ser visto como uma reivindicação dos cuidados e afeto que lhes foi tirado, ou que até mesmo não tiveram, pois, “como os infantes ainda não sabem expressar seus sentimentos de dor e de angústia, geralmente eles são demonstrados nessas condutas, numa tentativa inconsciente de chamar a atenção para a problemática” (CECATTO Apud RAYANE; SOUSA, 2018).

Além do mais, os infantes que sofreram violências seguidas de abandono por parte dos seus pares, terão que lidar com a elaboração de perdas e lutos. Eles perderão, ainda que brevemente, a confiança nas pessoas, pois apresentarão medo de serem feridos novamente. Terão dificuldades no estabelecimento de novos vínculos, pois ficaram receosos que estes se desfaçam independentemente de sua vontade ou necessidade. Poderão apresentar alterações do apetite e do sono e dificuldades de aprendizagem que antes não existiam, sentimento de culpa e desamparo (SANTOS et al 2010).

A vida de crianças institucionalizadas é marcada por rompimentos afetivos, sendo que além da ruptura com o núcleo familiar, outros lutos importantes ocorrem como o rompimento de relacionamento e convívio com outras crianças acolhidas, com as quais construíram um vínculo afetivo, e também com os cuidadores sociais, o que pode ocasionar ou agravar o sentimento de abandono e desproteção.

Devido toda a complexidade e fragilidade emocional que se encontra a criança do acolhimento institucional, faz-se necessário mencionar a importância do papel da instituição no desenvolvimento dos protegidos, uma vez que ela passa, ainda que de forma passageira, períodos significativos de seu crescimento e infância na entidade.

É imprescindível que a instituição promova um ambiente acolhedor às crianças, que não reproduza as experiências de violência vivenciadas em casa, o que é indispensável para que o processo de reinserção social das mesmas se dê da forma mais saudável (CARVALHO et al 2015).

De acordo com Siqueira & Dell’Aglio (2006), as instituições assumem lugar central na vida das crianças e adolescentes acolhidos, e por este motivo, é necessário investir neste espaço de socialização. Torna-se determinante investir em relações mais estáveis e afetuosas neste ambiente. É necessário que a instituição faça parte da rede de apoio social e afetivo, que forneça recursos de enfrentamentos de situações negativas, além de modelos identificatórios positivos, segurança e proteção. Com tudo isso, o ambiente estará propício para fornecer às crianças e adolescentes acolhidos um pleno desenvolvimento cognitivo, social e afetivo (ÁLVARES; LOBATO, 2013, p.154).

A realidade anteriormente vivida por algumas, se não a maioria das crianças, é de ter vivido em um ambiente físico e social bastante empobrecido e desordenado, e a instituição, nestes casos, pode atuar como uma recuperação e crescimento psicológico das crianças envolvidas nestas situações  (Bronfenbrenner Apud ÁLVARES; LOBATO, 2013).

Diante do exposto, há de se considerar acerca do importante papel que a instituição de acolhimento desempenha neste momento tão delicado vivenciado pelos infantes, que é considerado um lugar de falta, dor e respectivas perdas.  O cuidador social, que lida com a criança diariamente em período integral, desempenha importantíssimo papel para a saúde da criança, “não apenas no ato de alimentar, auxiliar com a higiene, espaço de lazer, mas em todas as necessidades básicas, como proteção, cuidado, carinho e estabelecimento de um vínculo estável” (CARVALHO et al 2015).

Aliado ao trabalho dos cuidadores sociais, as instituições de acolhimento contam com uma equipe técnica especializada, comumente composta por assistentes sociais, psicólogos e pedagogos que de forma multidisciplinar e integrada, cada um em sua área de atuação, contribuem para promover a garantia dos direitos das crianças e do bem estar das mesmas, de forma a minimizar os impactos imprescindíveis decorrentes da institucionalização. Diariamente oferecem um espaço de escuta e acolhimento dos sofrimentos que os acolhidos apresentam. Além do mais, essa equipe conta com a parceria de instituições e profissionais de diversas áreas que possam auxiliar no desenvolvimento emocional saudável da criança, como psicólogos clínicos, psiquiatras, por exemplo.

Toda a rede de apoio e proteção a essas crianças visa sempre agir buscando o melhor interesse das mesmas. De forma que mesmo que elas sofreram danos demasiados, essas possam ter a chance de minimização de seus sofrimentos, que deixaram marcas não só em seus corpos, mas principalmente em sua psique, além da elaboração de suas perdas, e uma chance de crescimento e desenvolvimento saudável. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

OLIVEIRA, Lorena de Melo Mendonça; RESENDE, Ana Cristina. Estudo de Sintomas Depressivos em Crianças sob situação de Acolhimento Institucional. Psicologia em Pesquisa, Goiânia, 2016. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1982-12472016000100008/>. Acesso em: 13 jul 2020.

CALCING, Jordana; BENETTI, Silva Pereira da Cruz. Caracterização da Saúde Mental em Crianças e Adolescentes em Acolhimento Institucional. Psico, Porto Alegre, v.45, n4, 2014. Disponível em: <https://doi.org/10.15448/1980-8623.2014.4.13629/>. Acesso em: 13 jul 2020.

RAYANE, Daniele Barbosa; SOUSA, Daniela Heitzmann Amaral Valentim. Privação afetiva e suas consequências na primeira infância: um estudo de caso. Inter Scientia, João Pessoa , vol.6, n.2, 2018.  Disponível em: < https://periodicos.unipe.br/index.php/interscientia/article/view/721/>. Acesso em: 14 jul 2020.

ÁLVARES, Amanda de Melo; LOBATO, Gledson Régis. Um Estudo Exploratório da Incidência de Sintomas Depressivos em Crianças e Adolescentes em Acolhimento Institucional. Temas em Psicologia, Unaí, v.21, n1, 2013. Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v21n1/v21n1a11.pdf/> . Acesso em: 14 jul 2020.

SANTOS, Benedito Alves; RIBEIRO, Maria Cristina de Camargo; UKITA, Gilberto Mitsuo; PEREIRA, Maria da Paz. Características emocionais e traços de personalidade em crianças institucionalizadas e não institucionalizadas. Boletim de Psicologia, São Paulo, v.9, n. 133, 2010. Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-03942015000200005/>.  Acesso em: 14 jul 2020.

CARVALHO, Cintia Favero; RAZERA, Josiane; HAACK, Karla Rafaela; FALCKE, Denise. Acolhimento institucional: considerações sobre a forma como o cuidado subjetivo se apresenta no cotidiano de trabalho dos educadores sociais. Aletheia, n.47-48, Rio dos Sinos, 2015. Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-03942015000200005/>. Acesso em: 15 jul 2020.

Keyla Fernanda de Oliveira Cataneo – Psicóloga Social ACRIDAS

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