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Vinculação entre cuidador e crianças

Todos nós, somos o que somos hoje, devido às ações e investimentos emocionais de pelo menos um alguém que passou pela nossa vida.

Somos resultados de um desejo, de um olhar, de um cuidado daqueles que se dispuseram a colaborar pelo nosso surgimento e desenvolvimento. Assim, somos também, resultados das relações que mantemos desde o início de nossa vida. Cada pessoa que passou por nós, nos moldou de uma forma diferente, contribuindo com nosso sentimento de ‘ser’, e ‘quem ser’.  E assim continua acontecendo no decorrer de toda a nossa vida.

 

Na infância, desde o nascimento, é onde ocorre o período que mais importa toda essa troca de interação social e onde mais se faz significante a existência de pessoas capazes de se doarem em prol da constituição de um indivíduo. Há pesquisadores que afirmam que desde a nossa concepção, ainda enquanto estamos na barriga de nossa mãe, sofremos influência do psiquismo[1] do outro. Fato é que, enquanto somos crianças, tudo ao nosso redor nos forma, mas fundamentalmente as ações de nossos genitores, ou das pessoas que exercem sobre nós o papel de pai e mãe.

 Estudiosos da psicologia e teóricos da psicanálise, se desdobraram em investigar como se dá a constituição do sujeito, a partir da função materna e paterna sobre uma criança. A partir de tais estudos e pesquisas, concluiu-se que o estágio de desenvolvimento e o processo de estruturação do psiquismo da primeira infância, que corresponde o tempo desde o nascimento até a idade de 6 anos, são de suma importância, uma vez que abrangem transformações biológicas e psicossociais fundamentais. Esse período crucial corresponde à formação das estruturas e funções mentais, onde para isso, o indivíduo que está se constituindo depende de seus cuidadores para efetuar “as operações necessárias para que se configurem e inscrevam as matrizes que permitem organizar seu pensamento e, em  decorrência  dele  (consciente  ou  inconsciente),  seus  comportamentos” (JERUSALINSKY Apud BERNARDINO; VAZ, 2015, p. 194).

O bebê quando nasce, não sabe o que acontece com seu corpo, não sabe identificar o que é frio, calor, fome, dor, etc. Nisso, a mãe ou a pessoa que exerce a função materna, age de forma a favorecer toda essa descoberta, bem como a discriminação de sentimentos e emoções. Ou seja, a criança depende totalmente da disponibilidade de um adulto verdadeiramente preocupado com seus cuidados.

Para Winnicott[1], a mãe (ou a pessoa que desenvolve esse encargo) tem papel fundamental nesse processo de desenvolvimento da criança, por ser ela a responsável de satisfazer as necessidades de seu bebê. A dedicação materna, tanto no ponto de vista físico ou psicológico, será determinante para um desenvolvimento e crescimento saudável da criança. As consequências desse cuidado refletirão na constituição da personalidade desse ser, a qual se tornará evidente nas futuras relações da criança com o seu meio de convívio social.

Importante salientar que a função paterna também tem sua importância nesse processo, mas não se tem o propósito de focar nela aqui.

Contudo, a partir do exposto até aqui e trazendo para a realidade de crianças em situação de acolhimento institucional, que são afastadas temporariamente do ambiente e convívio familiar, como fica a questão da construção e desenvolvimento emocional das mesmas diante dessa ausência da figura materna?

Nas unidades de acolhimento institucional existem profissionais que atuam no cuidado diário à cada uma das crianças e adolescentes acolhidos.

Estes são denominados de educadores/cuidadores sociais, que exercem as atividades de: cuidados básicos com alimentação, higiene e proteção; organização do ambiente, como do espaço físico e atividades adequadas; auxílio à criança e ao adolescente para lidar com sua história de vida; fortalecimento da autoestima e construção da identidade; organização de fotografias e registros individuais de cada criança; acompanhamento nos serviços de saúde, escola e outros serviços requeridos no cotidiano; e apoio na preparação da criança ou adolescente para o desligamento.

[1] Assim, com todas essas atividades a serem desenvolvidas, este profissional cuidador(a), exerce o papel de cuidador substituto, na ausência temporária de algum familiar que de fato possa desempenhar a função pretendida.  Além de todas os afazeres mencionados, sob o cuidador social também está o encargo de estabelecer um bom vínculo afetivo com cada criança, devido a necessidade desta.  Pela “ausência da capacidade de provimento das próprias necessidades básicas, é necessário que surja o apoio responsivo de alguém para contribuir com o desenvolvimento do infante.” (SILVA; GERMANO, 2015, p.38)

Esta proximidade e vinculação entre cuidador e criança, possibilita o desenvolvimento maturacional sadio desta última. É uma relação que traz segurança e apoio, imprescindível pra vida de qualquer pessoa, quem dirá para uma criança que está se desenvolvendo e ainda enfrenta situações de risco e/ou violência.

Conforme apontam Silva e Germano (2015, p. 38),

a instituição de acolhimento surge como uma possibilidade de suporte tanto material quanto afetivo, mas para isso é importante que os cuidadores que venham a se responsabilizar pela atenção a essas crianças estejam disponíveis para gerar nesse ambiente um local de fortalecimento e construção de vínculos saudáveis na vida dos que necessitam serem acolhidos.

Desta forma, pode-se vislumbrar o quão importante é a presença desse cuidador substituto, com sua disponibilidade de se relacionar com amor, cuidado, afeto, regras e limites, etc. Vai além de apenas trocar uma roupa de cama, cuidar para que o banho seja bem tomado, garantir que tenham todas as refeições do dia e ensinar a amarrar o cadarço de um tênis, por exemplo. Ser cuidador (a) social necessita ter a ciência que sua disposição emocional e afetiva garantirá que o acolhido não sofra uma lacuna em seu desenvolvimento socioemocional e tenha prejuízos futuros por isso.

A presença materna ou mãe substituta, provida de uma identificação com a criança, funciona como uma base segura, suprindo as necessidades apresentadas pela criança, facilitando a elaboração de estados emocionais, refletindo em todas suas relações presentes e futuras.

Percebe-se que com tudo o que foi descrito até aqui, o (a) cuidador (a) ao agir de forma a promover um ambiente suficiente bom (ou seja, um ambiente capaz de atender adequadamente as necessidades da criança) colabora para o bem estar biopsicossocial da criança, o que garante não só um lugar de segurança e acolhimento, mas se constrói uma “relação de afeto que pode se perpetuar por um longo período ou até pela vida inteira. O que contribui para um desenvolvimento psíquico sadio e uma relação pautada em confiança”. (WINNICOTT Apud SILVA; GERMANO, 2015, p.44).

Assim, se tem a compreensão do quão importante e especial é o trabalho do (a) cuidador(a) social nas unidades de acolhimento institucional, e também nos propõe a refletir qual é o sentimento desse profissional em realizar tal valiosa função. Afinal, é preciso que se disponha de forma integral e praticamente 24 horas por dia, uma vez que residem na instituição de acolhimento juntamente com as crianças.  

À vista disso, a seguir serão apresentados recortes de falas de algumas das cuidadoras sociais da ACRIDAS[1], sobre como se sentem exercendo este encargo e como veem a relação das crianças para com elas. As identidades das mesmas serão preservadas:


Cuidadora 01: “Eu como mãe me sinto realizada por poder dar atenção, carinho, educar com respeito…eles que muitos não tiveram da família, eu tenho esse privilégio de dar. A relação com eles é gratificante. O respeito, o carinho, o abraço de ‘bom dia’ e ‘boa noite’ compensa os desafios do dia a dia. Nem um dia é igual…um dia eles estão calmos, outros mais agitados, mas estou aqui pra enfrentar um dia de cada vez.”

Cuidadora 02: “Eu me sinto realizada como cuidadora, como mãe social. Não me vejo fazendo outro trabalho que não seja relacionado com criança, me vejo de outras formas, me sinto muito bem.  Quando eu era adolescente, eu já era babá, e amava o que fazia. Quanto a relação das crianças comigo, eu nem sei o que dizer, é coisa de outro mundo…é maravilhoso. Eu sinto que consigo conquistar eles muito rápido. Quando eu tinha crianças menores, todos me chamavam de ‘mãe’. Eu sinto que é maravilho para eles também. Tudo que eu fazia pra eles, eu me sentia maravilhada, porque a gente conquistar a confiança de uma criança é tudo de bom. Poder passar um pouquinho do que a gente sabe, um pouquinho de amor…eu tento fazer isso, eu tento passar um pouquinho de mim pra eles.”

Cuidadora 03 – “Então, quando criança chega pra mim é um pouco, difícil de relacionar dependendo da criança, mas sempre consigo tirar de letra no geral. Consigo perceber que eles gostam muito de mim, tenho um relacionamento muito bom com minha turminha. Sempre procuro entender e dar carinho para eles…e sinceramente eu me sinto feliz com eles, e aprendi muita coisa com eles…hoje em dia vejo a vida de outra forma.

Cuidadora 04 – “Como o nome mesmo já diz me sinto cuidadora e mãe. E com isso vem a responsabilidade. Estou há um ano e quatro meses nessa profissão e cada dia que passa me sinto realizada, passei a ter um carinho muito especial por cada um. Acredito que o convívio 24 horas por dia acaba influenciando a gente ter esse sentimento. E quanto a relação deles comigo, sinto muito respeito. Percebo que além de respeito eles também demonstram muito amor para comigo, exemplo disso é a quantidade de presentes que recebo no dia a dia, como flores que eles acham no parque, cartinhas, colares e pulseiras de miçanga e entre outros. Acabo me sentindo realizada e grata a tudo que tenho vivido, pois, acredito que tenho passado a eles uma das coisas mais importantes que eles hoje precisam, cuidado, amor e respeito.”

Apesar da grandiosidade e da gratificação de ser uma mãe substituta, uma cuidadora social, não há como negar a complexidade envolvida e as inúmeras dificuldades envolvidas. “Estar numa posição de quem representa uma figura materna e responder a tais expectativas não é algo fácil de submeter-se, pois, no contexto institucional, existem questões que alteram o significado dessa relação.” (SILVA, GERMANO, 2015, p. 50)

Estar num lugar de praticamente ser responsável por suprir as lacunas emocionais da vida das crianças, além de todas as outras atividades cotidianas intrínsecas no trabalho de cuidadora e figura substituta, é algo que traz uma autoexigência muito grande, o que pode repercutir em conflitos emocionais devido à sobrecarga produzida diariamente, e que pode vir a influenciar negativamente nas responsabilidades desta profissional.

Portanto, é indispensável que as cuidadoras sociais tenham ciência da responsabilidade de seu trabalho, além de buscar um autoconhecimento diante dos sentimentos e/ou angústias que vivenciam e carregam.

Por isso, a instituição de acolhimento envolvida nesse contexto deve se permitir olhar para esse cuidador de uma forma especial, colocando-o como sujeito no processo de cuidados, dando o suporte para a escuta de seus anseios, de medos e dúvidas que possam surgir em decorrência de sua atividade prática. (SILVA; GERMANO, 2015, p. 51)

Partindo disso, na ACRIDAS, todas as cuidadoras sociais têm suporte cotidiano por parte da equipe técnica (que é composta por psicólogos, assistentes sociais e pedagoga) por meio de escutas, orientações e capacitações técnicas. Também são oferecidos através de instituições parceiras, atendimento psicoterapêutico a cada uma delas, buscando favorecer o bem estar da saúde mental.

Acredita-se que quanto mais amparadas estiverem, e quanto mais pessoas puderem facilitar o papel árduo de uma cuidadora social, melhor se dará o trabalho desta, que consequentemente e principalmente, acarretará num desenvolvimento emocional sadio e seguro de cada criança acolhida.

REFERÊNCIAS:

BERNARDINO, Leda Mariza Fischer; VAZ, Beatriz Gomes. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/view/20045/13657. Acesso em: 11 maio 2021.

SILVA, Maria Rosimere da Conceição; GERMANO, Zeno. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-20612015000200004. Acesso em 04 maio 2021.

Winnicott, D. W. (1985). A criança e seu mundo. Rio de Janeiro: Zahar Editores.

Winnicott, D. W. (1975). O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago


[1] Associação Cristã de Assistência Social – ACRIDAS; instituição de Curitiba/PR que acolhe crianças de 02 a 12 anos de idade.

Por Keyla Cataneo Psicóloga do Acolhimento Institucional da ACRIDAS

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